Bernardo Lobo - Bons Ventos
Marca: Bernardo LoboModelo:Bons Ventos Lançado em: 03/10/2023
DESCRIÇÃO
Lisboa é definitivamente uma das nossas cidades. Como a um carioca Porto Alegre, Manaus, a um paulista Vitória ou Cuiabá, e vice-versa e assim por diante.
Tanto que, sem nem precisar falar nisso, é um xote que poderia ter nascido no Maranhão, mas surgiu em Lisboa pelas mãos, letra e música, de um carioca, que dá o título a este oitavo álbum de Bernardo Lobo, “Bons ventos”, canção que fala de amor (“Colar o corpo no seu/A lua beijando o mar/Os pés na terra, bons ventos no ar/O amor chegou pra ficar/A paz voltou a reinar/O céu abriu pra tristeza levar”) mas bem poderia ser dos ventos literais que não param, como brasileiros e portugueses, de atravessar o Atlântico.
Produzido por Marcelo Camelo - outro carioca radicado em Lisboa - e com parceiros nas canções como os brasileiros Mu Chebabi (que já morou lá), Nelson Motta (que então morava), o saxofonista e arranjador Humberto Araújo (que ainda mora) e o poeta português Tiago Torres da Silva, parceiro habitual de tantos compositores brasileiros e que vive a atravessar o Atlântico, “Bons ventos” parece uma conspiração luso-brasileira a querer provar a tese acima, de que Lisboa é sim uma cidade brasileira, e o Brasil um imenso Portugal, como na velha canção de Chico Buarque e Ruy Guerra.
Senão, ouçam logo a primeira faixa de “Bons ventos”, uma marcha cheia de suingue, quase um hino manifesto dessa coisa, com o insinuante e autoexplicativo título “Do Rio de Janeiro” (de Bernardo e Mu Chebabi): “Sou café brasileiro/Nem sou tão estrangeiro/Vim no vento que vem de lá/Do Rio de Janeiro/Sigo sem paradeiro/Vim no vento que vem de lá”, melodia e versos que, como a própria canção diz, são como o sol do Arpoador, no Rio, a iluminar Lisboa, como se fosse natural.
E é, o disco vem a provar. Senão, novamente, ouçam a canção “Vai e vem”, um fado (samba)-canção originalíssimo, uma reflexão rara sobre as músicas típicas das duas cidades, o samba e o fado, não fosse a melodia criada pro dois cariocas, Bernardo e Humberto Araújo, a letra de Tiago Torres da Silva a arriscar definições metalinguísticas sobre “Tudo que o fado diz/Tudo que o samba quer”: “O fado é tudo que prende o verso na melodia/Tudo que dói demais pra virar refrão/Mas que não é dor”, vejam que beleza; ou, “O samba é tudo que a gente pensa ser poesia/Tudo que que a gente julga que é da canção/Mas é do cantor”.
Radicado há sete anos em Lisboa, já até com dois filhos nascidos lá, e com um punhado de discos gravados cá no Brasil como lá em Portugal, Bernardo Lobo faz de “Bons ventos” o disco comemorativo de seus 50 anos de vida e 30 de uma carreira iniciada com múltiplos marcos: o primeiro trabalho como músico, violonista de uma montagem teatral de “Capitães de areia” que viajou o Brasil inteiro e chegou até Portugal (era destino!); a primeira gravação como cantor, o frevo "No cordão da saideira” no Song book do pai, Edu Lobo; e os primeiros shows no Rio de Janeiro natal.
Mas mesmo com tanto a comemorar e dizer, e ao contrário de seu disco solo anterior já gravado em Lisboa, o denso “C’alma", de 2018, este “Bons ventos” sopra de forma natural, nada conceitual. É apenas um disco de canções - que em si já em um conceito e nada banal. E que nasceu assim: com umas 20 canções nas mãos, Bernardo entregou-as a Marcelo Camelo para que ele escolhesse as oito que entrariam no álbum a partir de um critério singelo e pontente, que fossem as mais comunicativas. Ele próprio autor de incontáveis sucessos como “Anna Julia” e “O vencedor”, de sua banda Los Hermanos, Camelo sabe bem desse quesito, música comunicativa. Senão ouçam os sambas “Arrebentação" e “No Leblon” e me digam se há no mundo canções mais propriamente fluentes e, sim, comunicativas. Compositor de melodias fluentes, Bernardo se junta aí a dois velhos parceiros, e dois dos mais prolíficos compositores cariocas da atualidade. “Arrebentação”, samba gostoso que não faz feio nas rodas do Beco do Rato ou do Samba do Trabalhador, é uma parceria com Moyseis Marques, que na letra bem apropriada a um disco chamado “Bons ventos” também abusa das metáforas naturais: “Amar, amarei/Amores virão/Ventando que nem maré/E deixa chover/Sou raio e trovão/Areia e arrebentação/Amor”. Já “No Leblon” é uma parceria com Edu Krieger e pinta um retrato solar do bairro natal de Bernardo através de uma de suas musas, quase uma Garota do Leblon: “Quem é aquela/Que quatro e meia faz alongamento/Quatro e quarenta/Na garrafinha dá um gole só/Cabelo solto quando não tem vento/E quando venta/Cobre o cabelo com uma boina reggae” - e olha o vento aí de novo surgindo em “Bons ventos”.
Como já fez antes com Milton Nascimento e Marcos Valle, volta e meia Bernardo Lobo torna-se parceiro de compositores da geração do pai. Desta vez o convite partiu do mais velho: então morando em Lisboa, no ano passado Nelson Motta ligou para Bernardo com aquele convite irrecusável, “precisamos nos tornar parceiros”. Bernardo compôs então melodias especialmente para Nelsinho. “DR”, a primeira dessa leva, é original não apenas por trazer para a canção a famosa “discussão de relação”, como é uma raríssima incursão do geralmente bossa-novista Nelson Motta no sambão - a saudade do Brasil em Portugal talvez explique. E o parceiro ainda sugeriu a cantora para viver essa “DR” em forma de samba em dueto com Bernardo, a brasiliense também radicada em Lisboa, Ive Greice.
Com mão boa para samba, Bernardo traz também Tiago Torres da Silva para o gênero carioca em “Da janela”, e o malandro lisboeta dá bem conta do recado: “Olho da janela/Peço ao sol pra não se pôr/Quando a tarde chega/Na cidade/E de repente o mundo todo para/Só porque o meu amor passou/E de repente o coração dispara/Eu penso em não ir… mas vou”, versos que tanto podem brotar numa janela térrea da Alfama ou Botafogo, bem no espírito de “Bons ventos”. Do samba carioca, a dupla Bernardo e Tiago, como a justificar que está na Europa apresenta uma valsa levíssima, dançante, “Na palma da mão”, canção que faz jus à “encomenda” a Camelo: super comunicativa.
A produção de Marcelo Camelo - que em Portugal tornou-se, a partir dos discos que produziu para sua mulher, a cantora e compositora Malu Magalhães, um produtor super requisitado - é simples e em função das canções. Ele próprio toca diversos instrumentos e faz vocais e usa como base as levadas de violão do próprio Bernardo.
Não que precise, a essa altura do campeonato - 50 anos, 30 de carreira, oito discos, três filhos, dois países - de aval. Mas ao ouvir “Bons ventos”, de Petrópolis Dori Caymmi escreveu para Bernardo, com aquele seu doce bom e mau humor: “Acabei de escutar o disco do Bena Lobo, é um disco lindo e muito brasileiro, composições e arranjos muito bem feitos, um cantor maduro num momento que a música brasileira está numa das piores fases. Parabéns Bernardo”. Quem há de discordar?
Hugo Sukman, no Rio de Janeiro, setembro de 2023
FAIXAS
01. DO RIO DE JANEIRO
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Mu Chebabi
Editora: Lobo Music (Abramus) / Nossa Música
02. BONS VENTOS
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo
Editora: Lobo Music (Abramus)
03. ARREBENTAÇÃO
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Moyseis Marques
Editora: Lobo Music (Abramus) / Direto
04. VAI E VEM
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Humberto Araujo / Tiago Torres da Silva
Editora: Lobo Music (Abramus) / Rossio Music (Dubas Música) / Direto
05. D.R.
Intérprete: Bernardo Lobo e Ive Greice
Autoria: Bernardo Lobo / Nelson Motta
Editora: Lobo Music (Abramus) / Mix (Universal Music Publishing)
06. NO LEBLON
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Edu Krieger
Editora: Lobo Music (Abramus) / Deck
07. NA PALMA DA MÃO
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Tiago Torres da Silva
Editora: Lobo Music (Abramus) / Direto
08. DA JANELA
Intérprete: Bernardo Lobo
Autoria: Bernardo Lobo / Tiago Torres da Silva
Editora: Lobo Music (Abramus) / Direto